quinta-feira, 27 de novembro de 2008

A chuva veio de uma forma inesperada e unânime. Permeou toda a rua com gotas numerosas e grossas, que caíam de uma forma quase caótica – hostil, até. E eu observava da porta do sebo com um olhar enfastiado e tragava lentamente um Lucky Strike, enquanto um CD do Dizzy Gillespie tocava ao fundo. Ocasionalmente, eu e João fazíamos um comentário insignificante sobre os transeuntes, especialmente do sexo feminino. Preciso mencionar o quão inúteis eram esses comentários?

O João disse que aquele álbum do Gillespie o lembrava trilhas sonoras de desenhos animados, o que faz muito sentido, afinal, os traquejos latinos davam um ar lépido às músicas e enchiam o ar de sinfonias inusitadas.

Um trovejar ocasional complementava de forma incongruente a sonoridade do trompete, e emprestava à cena um ar romanesco.

Freqüentemente, eu me sinto como um personagem pós-urbano e parte de um romance burlesco, no qual sou o protagonista sensível e excêntrico. Desnecessário dizer que autores como Proust e Henry Miller me atraem, pelo caráter biográfico de suas obras. Talvez o segundo seja autobiográfico, mas há muitas comparações incompreensíveis e muitas reflexões pertinentes para que seja totalmente real.

Uma longa cadeia de divagações me permite entrever reações e questionamentos alheios e talvez minhas comparações sejam desagradáveis (ou mesmo equivocadas) – mas sou catedrático e circunciso ao dizer: não me importo nem um pouco com isso.

sábado, 1 de novembro de 2008

Intoxicantes ares mortos. O Miasma venenoso que ascende em direção ao céu. Meu rancor surdo e insensível baseado em pequenas frustrações cotidianas - todas elas causadas pelo convívio humano. Eu, definitivamente, sou um ser condenado aos monólogos da vida. Entretanto, eu consegui aplacar isso com umas (poucas) amizades sinceras. Afinal, nem sempre a perfeita solidão é o melhor recurso.

Doravante, não há em mim qualquer tipo de critério lógico ou racional que me diga quais os tipos de comportamentos que me atraem, mas, em primeira mão, eu os revelarei: a única conexão lógica entre todas as minhas amizades, é o fato de praticamente todas as pessoas caras à mim serem, em sua maioria, depressivas ou auto-destrutivas.
Não é uma revelação espantosa; em dado momento, provavelmente, eu devo ter deixado entrever esse fato não completamente destituído de lógica. Não consigo imaginar-me convivendo com um bando de pessoas felizes e comuns.

Aonde quero chegar? Não é difícil de perceber - o fato é que, por mais normais que as pessoas se considerem, eu as vejo envoltas em uma aura complexa de insanidade e de uma peculiaridade sem iguais. Os dias comum carregam em si todos os elementos propícios à apostasia. Todos os ideais erigidos sob as idéias de "convívio saudável" são abandonadas em razão de nossas pequenas falhas na psique.
Somos meros simulacros de deuses, que governam um espaço não suficientemente amplo para todos, mas que é possuidor de defesas suficientemente assustadoras para que evitemos a compreensão alheia sobre nossas crenças e ideais mais profundos e secretos.

[Esse texto foi publicado originalmente por mim em: lemonincest69.blogspot.com]