quinta-feira, 2 de abril de 2009

Domingo

Eu me imagino correndo por uma longa rua ao entardecer enquanto alguma presença indefinida e amada me espera ao fim do trajeto. Uma moça de vestido longo, fresco, daqueles vestidos com estampas florais que me lembram os momentos idílicos que eu nunca tive (e que provavelmente nunca terei) é o meu objetivo inominável. A derraderia luz crepuscular banha suas faces e ela sorri com bonomia e compreensão. Aquele sorriso sincero que poucas vezes vemos na vida (como observa Fitzgerald). Um sorriso cheio de promessas.

Eu me vejo caminhando enquanto seguro sua mão surpeendentemente quente em contraste com os meus dedos gélidos. Observo seus olhos escuros com as pupilas contraídas pela incisão da luz moribunda das tardes.

Nós nos sentamos em algum muro baixo e o cheiro inebriante da quaresmeira invade as ruas, e as pombas voam sobre nós e se dirigem à igreja não muito distante; o sino clama pela presença dos fiéis.

Contudo, a rua está absolutamente vazia. Não há nada além de nós e o entardecer. Nada além das nuvens escarlates e do céu alaranjado.

Nossos diálogos são meramente triviais. Palavras são dispensáveis e só atrapalham o entendimento comum da beleza ambígüa que nos cerca. Eu me vejo agora refletido nos olhos dela, e sinto os cheiros provenientes de seu corpo pueril.

Caminhamos pelas vielas e avenidas, solitários. Não há vivalma presente, mas isso de modo algum a incomoda. Eu perguntei. Ela responde que seria bom se ao menos alguma sorveteria estivesse aberta.

Ambos esperamos que com o anoitecer a vida renasça, e que toda a cidade acorde de seu torpor.

Quando a luz dos postes se acende, eu não vejo mais o sorriso dela, tampouco sinto o exalar de seu perfume. Ela me olha, atônita, e diz que precisa ir. Ela não acha necessário que eu a acompanhe.

Ela me beija na face direita e se vai, seguindo a luz evanescente dos postes de luz. Eu espero ver luminosidade dentro de alguma janela, mas percebo que é inútil. Por fim, eu sigo o caminho artificial proporcionado pela eletricidade e adentro cada vez mais no coração da cidade inabitada


ps: desculpem pelo sentimentalismo barato.

segunda-feira, 9 de março de 2009

Longe das lamentações de sempre, venho agora enfastiar-lhes com minhas constatações.

Cidade pequena é um troço peculiar mesmo. E na adorável Cambuquira aonde atualmente vivo, tudo tem um ar ainda mais misterioso. A cidade possui um ar de local de veraneio, aonde as pessoas constroem belas casas pra passarem os feriados; mas tudo é surpreendentemente parado e inóspito, embora a população local seja assaz cordial. Há um odor suave de podridão instalado em cada canto, cada praça, cada casa velha. E os prédios, antiqüíssimos, não me deixam mentir. Um cassino-hotel que teimosamente permanece de pé, embora o mato esteja saindo pelas janelas, é a maior prova desse ar decadente.

Não fiz sequer uma amizade, não conheço absolutamente ninguém. Para evitar acessos de tédio, passo o dia lendo e fumando. Sento-me na varanda e observo os transeuntes com um cigarro entre os dedos. Recentemente, adquiri o hábito de tomar um vinho barato, que por falta de espaço, acabou vindo parar num móvel do meu...hum... escritório (quarto dos fundos?). O troço me dá azia, mas é doce e tem um sabor até agradável.

Por fim, digo apenas que a solidão é uma grande companheira da criatividade. Mas no meu atual estado de espírito, a criatividade seria trocada de bom grado por uma companhia mais palpável que o vinho.