domingo, 5 de outubro de 2008

Stifling routine

Manhã típica de verão, quer dizer, nem tanto. Nesses verões, manhãs de 12º são tão comuns como as de 20º, assim como fazer 37º ao meio-dia e no dia posterior cair para 17º. Tudo normal. Barulho, carros, rotinas em andamento, motos, sinais de trânsito, guardas da CET. Tudo em sua perfeita sincronia. Parece ser até harmônico o modo como esse caos sistemático funciona. Pessoas fechadas em si mesmas, seguindo seus caminhos. Até então, ninguém é ninguém para ninguém. Pessoas que aguardam o semáforo abrir, umas próximas às outras, são apenas companheiros temporários naquele curto período de tempo, no qual elas simplesmente sumirão em meio à multidão, dissipando-se como a fumaça de um cigarro que acabou de ser tragada e solta no ar. Sinal aberto. O caos trabalha, progride, etapa após etapa é concluída. Enquanto isso, uma outra espécie de caos ocorre não muito longe dali. Bem próximo, na verdade. A alguns metros abaixo desse mesmo lugar, um outro sistema, extremamente povoado, trabalha constantemente. Os metrôs vão e vêm, parando exatamente na sua posição estipulada. O alerta toca, portas abrem, pessoas saem, pessoas entram, as portas se fecham. Logo após essas etapas que duram não mais do que 30 segundos, ele segue para sua próxima parada, deste modo, dando espaço para o próximo fazer seu papel. Executivos gananciosos, trabalhadores escravos, estudantes inocentes, mães desempregadas com seus filhos no colo, todos próximos. Nenhum tipo de contato visual. Apenas mais um companheiro temporário. Incrível como as pessoas se comportam em certos lugares. Isso em um cinema, ou algo parecido, seria um grande problema.

Rotina. Rotina. Rotina. Rotina. Rotina. Tantas pessoas em um lugar como este, como pode? Mesmo em dez anos inteiros, jamais se pode ver a mesma pessoa duas vezes. Pode até ver, mas impossível seria se recordar do seu companheiro temporário. Pode não parecer nada. Cada um com seu music player. Executivos, Iphones; trabalhadores escravos, mp4 do Stand Center; estudantes inocentes, PSPs. Cada um em seu momento particular. Vozes vêm de cima da cabeça dos mesmos, dizendo “próxima estação: Ana Rosa, acesso à linha 2 – verde.”. Eles te dizem o que fazer, o que não fazer, como se comportar e como não se comportar. Assim, qualquer analfabeto pode utilizar esse meio de rotina. Pessoas desgastadas dia após dia. Semana após semana. Mês após mês.

Bem, por aí começa o dia. Após cumprir todo o trajeto com meus companheiros temporários, me deparo novamente com as ruas movimentadas e barulhentas. Deslocando-me rapidamente, como se tivesse pressa para cumprir mais uma rotina de muitas, passo pelos mesmos companheiros temporários, porém costurando por eles. Chego à minha parada. Passando por todos os mesmos obstáculos. O braço direito pega o meu número identificador para passar na catraca. Apenas um número. Tratado assim. O que seria mais fácil do que dar uma demarcação ao gado, para assim, controla-lo melhor? Passando pelos corredores quase vazios, atrasado como sempre, chego ao elevador e posteriormente, à sala pressuposta a mim. Um passo antes de entrar naquela sala, coloco a famosa máscara. Desse modo me adapto àquele ambiente, sem problemas. Porém atrás de cada sorriso, jaz ali uma vontade quase que incontrolável de jogar tudo para o alto. A imaginação flui como o sangue quente de ódio circula nas veias. Mas volto para onde estava e tudo é abstraído, de forma que continuo na linha. A convivência com outras pessoas desconhecidas pode se tornar complicada com o passar do tempo. No começo tudo é novidade, todos parecem ser legais. Nada melhor que o tempo para revelar como as pessoas são. Através de pequenas observações aqui e lá, pode se tirar algumas conclusões, mesmo que superficiais. E no meio de um antro de ignorância e mediocridade, pode se encontrar alguns resquícios de lucidez por perto. Assim como um homem em meio ao deserto, naquele derradeiro suspiro antes da morte por desidratação, encontra água e assim consegue sobreviver mais um pouco.

O tempo passa, just getting used to it. Algumas pessoas simplesmente perdem a noção de direção, embarcam com os olhos vendados em qualquer barco desgovernado no agitado mar da idiotice. Esquecem seus conceitos e até sua ideologia, se é que os mesmo as têm. A necessidade por parecer feliz está acima da própria felicidade. Querer parecer entrosado é mais importante do que, de fato, estar. E assim começam as falsas amizades. Quase que um trato feito, em que as duas partes concordam em ceder sua presença em troca de sorrisos e uma amizade utópica.

Perdido em pensamentos me encontro no decorrer daquela rotina. Inúmeras possibilidades passam pela minha cabeça. Inúmeras ações e suas conseqüências. O pensamento se torna mais complexo, como uma bola de neve rolando montanha abaixo. Pensamentos crescendo, crescendo, crescendo. Tomando proporções assustadoras. E quando me vejo, já estou 15 minutos atrasado na minha rotina. Vou correndo atrás dela como alguém que acordou 5 minutos antes do trabalho começar. Comprimindo tudo que me é passado e fazendo isto entrar na minha massa cinzenta. Assimilação simultânea. Tudo porque está estampado na mente: “produza mais, tenha um desempenho melhor, faça melhor, mais rápido, mais rápido, mais rápido.”. Para não enlouquecer no meio disso tudo é preciso muita ignorância. Finalmente, fim de expediente. Soa o sinal libertário. Um alívio como nenhum outro é sentido no peito apertado de sentimentos presos e calados obrigatoriamente.

Fazendo o famoso trajeto de novo, dessa vez, inversamente. Passe seu número para poder sair, desse modo eles sabem que seus cordeiros estão se comportando bem. Logo após isto, seja bombardeado por buzinas, barulhos de motores, um sol como nenhum outro e mais um pouco de desgraça alheia. Enfim, chego ao metrô. Um pensamento vem até mim. “Hora de encontrar meus companheiros temporários”. Com um singelo vazio nos olhos, me acomodo próximo a eles. Automaticamente, a mesma cena do começo se repete. Vozes de cima bombardeiam informações de etiqueta sob as cabeças facilmente induzidas. O "acelera e freia" do metrô acostuma as cansadas pernas a equilibrarem aquele cansado corpo semimorto. Chegando à estação de desembarque, todos enfileirados. Todos introspectivos. Pensando no resto da rotina. Com um olhar morto. Talvez a vivacidade havia sido despedaçada pela corrosiva rotina. Subindo as escadas exatamente como o gado se alinha pro abatimento. Como se não fosse o suficiente, ao sair daquele túnel de concreto, mais rajadas de buzinas e motores assolam os ouvidos inocentes. Quase chegando ao refúgio, que mais parece um oásis no meio do escaldante deserto da miséria. Enfim, a salvo.

Hora de se recompor, juntar os fragmentos de ânimo, espalhados por todos os lados. Recolhendo um a um de forma que depois de colocados juntos, fique o mais parecido de como eram antes. Enfim, seguro de todos aqueles olhares interesseiros. Não o suficiente, ainda restam quatro dias pela frente.

Nenhum comentário: